Monday, June 12, 2017

NÃO CHORE MINHA MORTE
Tomara que demore muito a acontecer, mas ela é inevitável e vai ficando cada dia mais próxima. Sua chegada, no entanto, não é para ser recebida com choro. Nada de lamentos e baixo astral. Muito menos questionamentos ou frases prontas do tipo “morreu novo”. Ninguém morre novo, nem velho e, muito menos, na hora errada. Todos morrem na hora certa e o único segredo é que ninguém, absolutamente ninguém, sabe que hora é essa.
Não chore minha morte. E não faça do velório de meu corpo um encontro apenas de choro, vela e coroas (nos dois sentidos). Quero muito riso e muito causo. E gente de todas as idades, unânimes no reconhecimento de que vivi muito e bem. Com a certeza de que fui sem direito a reclamar, somando mais oportunidades do que não as tendo. Saiba que tudo o que me foi permitido ser, fazer e viver, o fui em seus tempos certos.
Não chore a minha morte. E nem a comemore com elogios exagerados. Um ou outro ainda vai, até porque está pra nascer quem ache que não mereça algum. Pegue leve porque sei que não passei da média da sabedoria de viver a vida, mas soube muito bem aproveitá-la. Quando eu me for (levado, é claro) pode estar certo de que não deixei crédito de vida. Vivi-a toda, em sua plenitude, acima do senso comum e correndo todos os riscos. Jamais, no entanto, vivi na beira do rio esperando a mesma água passar duas vezes.
Não chore minha morte. E não fique ali no velório esperando o tempo passar, conversando baixinho e comendo biscoito Maria com café, como se isso influenciasse na encomenda da alma. Leve sua cachaça e seu tira gosto para comemorar o tanto que vivi, porque o que justifica a morte é a vida que se viveu. Quem quiser rezar que o faça, mas nos intervalos vai cair bem um sambinha da melhor qualidade ou qualquer outra boa música. Pediria apenas que evitassem pagode e funk, mas nem o faço porque ouvindo mesmo não mais estarei.
Não chore a minha morte. Comemore a vida que tive, intensa e muito bem vivida, independente do seu tempo. Se bom não fui, procurei sê-lo concordando com Pessoa que tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Comprei brigas, estendi as mãos, discordei com veemência e reconsiderei pontos de vista. Nada me fez maior ou menor. No entanto, todas as idas e vindas da vida me tornaram mais experimentado, mais tolerante e mais vivido sem ser, espertamente, mais vivo.
Não chore minha morte. Relembre minha vida cheia de bons momentos e saiba que até os maus momentos foram necessários para justificar os primeiros. Não pense, por tudo isso, que se morri o fiz indiferente e concordado. Como dizia meu já ido pai, bom mesmo seria morrer com 150 anos, vítima do ciúme tresloucado de algum marido apaixonado. Mas a escrita do derradeiro capítulo não nos cabe e resta aos mortais a capacidade da satisfação da vida. É por isso que eu não quero choro. Não vale a pena chorar pelo que não se teve; melhor é comemorar o que se viveu.
Isto posto, peço nas linhas finais que vão decretar o fim deste texto, portanto a sua morte natural, que meus verdadeiros amigos festejem minha vida quando a dona morte me buscar. Deixem o choro e o lamento para os inimigos, principalmente para aqueles que repetidas vezes desejaram a antecipação de minha morte, porque não aceitavam tanto bem que a vida me permitia. E quando sentirem saudade, tanto uns quanto outros, convençam-se de que a aceitação da morte passa, necessariamente, pelo prazer de viver a vida em sua plenitude, com todos os seus desafios, erros e acertos. O entendimento de nossa natureza viva é o melhor caminho para se evitar o choro da morte. Vamos gargalhar, então!
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